B4 QUARTA-FEIRA, 26 DE SETEMBRO DE 2018 FOLHA DE S.PAULO
A advogada Valéria Lucia dos Santos, 48, algemada durante audiência em Duque de Caxias, no Rio
Comissão isenta juíza no caso de advogada algemada no RJ
Grupo do TJ diz que Valéria Santos “se jogou”; querem desviar do fato, diz OAB
Mônica Bergamo e Marina Estarque
SÃO PAULO A Comissão judiciária que investigou o caso da advogada Valéria Lucia dos Santos, algemada por policiais militares durante audiência em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, concluiu que ela “se jogou no chão” e então começou a se debater, sendo “momentaneamente” algemada para a sua própria segurança.
A juíza leiga Ethel Tavares de Vasconcelos, que teria chamado a polícia para que retirasse Valéria Lucia da sala de audiência, foi inocentada da prática de qualquer abuso. O juiz leigo é um advogado que auxilia a Justiça em determinados juizados especiais, mas a decisão final cabe a um juiz togado.
Para a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), a investigação é um procedimento interno e administrativo do tribunal, sem valor judicial, em que as partes foram ouvidas separadamente. Em nota, a entidade disse que a conclusão da comissão causa “espécie e estupefação”.
Procurada após a decisão, a advogada afirmou ao UOL que, se for preciso, irá recorrer à ONU (Organização das Nações Unidas) para provar que foi vítima de violência no exercício da profissão.
“Trata-se apenas de uma decisão administrativa. É a Justiça falando da própria Justiça. Estou muito tranquila sobre o que aconteceu naquele dia. Vamos aguardar”, declarou a advogada.
Em depoimento anterior à Folha sobre o ocorrido na audiência, ela afirmou que foi derrubada e arrastada pelos policiais. “Quando chegou do lado de fora da sala, me deram uma rasteira e eu caí sentada. Depois colocaram as algemas”, disse. Valéria e a juíza leiga discutiram porque a advogada exigia ter acesso à peça da defesa.
Com a repercussão do caso, a audiência foi anulada e remarcada para o próximo dia 18 de setembro, com a presença de um juiz togado. A decisão final foi favorável à cliente de Valéria.
Na conclusão da comissão judiciária, o desembargador Joaquim Domingos de Almeida Neto, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, afirma: “Não vislumbro prática de qualquer desvio funcional dos servidores envolvidos e da advogada juíza leiga Ethel Tavares de Vasconcelos”.
Ele diz também que a “versão da advogada Valéria Lucia dos Santos de que “levou uma rasteira, uma banda, suas mãos colocadas para trás e algemada” está em colisão com todo o restante da prova que afirma que ela se jogou no chão e se debatia quando veio a ser momentaneamente algemada, até que o representante da OAB chegou e ela se acalmou, havendo pronta retirada das algemas”.
O magistrado diz ainda que a “imagem forte” de Valéria no chão algemada” correu o mundo virtual, mas à qual não se pode emprestar maior significado do que o que realmente revê. A própria versão da “rasteira” não se amolda à imagem registrada em vídeo, e por isso deve ser descartada”.
Já para o presidente da Comissão Estadual de Defesa de Prerrogativas da OAB, Luciano Bandeira, a conclusão da comissão “não muda nada, é um processo unilateral”. Nós não sabemos quem são as testemunhas, sequer estávamos presentes quando a juíza leiga e testemunhas apresentaram suas versões”, afirma.
Em sua avaliação, não é possível dizer que a juíza leiga foi inocentada. “Não tem isso de inocentar. Pode ser que administrativamente o tribunal não vá fazer nada, mas por parte da OAB continuará sendo apurado”.
A Ordem vai prosseguir com a investigação interna no seu Tribunal de Ética e Disciplina e já entrou com representação contra os policiais na corregedoria da corporação. A apuração na OAB está na fase inicial, em que a juíza leiga apresenta a sua manifestação. “Se ficar caracterizado que houve uma infração da juíza leiga, vamos entrar com representação no TJ-RJ, no CNJ, além de processos civis e criminais na Justiça”, disse Bandeira.
Ele reafirmou que a advogada não poderia ser algemada e que seria preciso comunicar o ato a um delegado da OAB. “Mesmo que a Valéria estivesse errada, e eu acho que ela está certa, não justifica. Estão tentando desviar do fato: uma mulher, advogada, negra, foi algemada dentro da sala de audiência”.
A entidade já havia declarado, logo depois do episódio, que “nem na época da ditadura se prendia, algemava e jogava no chão um advogado dentro da sala de audiência. É um absoluto desrespeito ao Estado democrático de direito e à advocacia”.
A comissão dos juizados especiais, ouviu a advogada, a juíza, os policiais, estagiários e funcionários do 3º Juizado Especial Cível de Duque de Caxias e defensores que também presenciaram a cena.